Sempre que vou escrever algumas linhas sobre algo como Vingadores: Era de Ultron, fico me perguntando com que olhos devo rever mentalmente o filme. Se com aqueles de quem aprendeu a apreciar cinema de qualidade, tentando entender o que o diretor quis transmitir com cada enquadramento, com cada escolha de luz, cenário e figurino, ou com os olhos daquele guri de 10 anos de idade, que passava tardes inteiras mergulhado em uma pilha de gibis. Pode parecer meio bobo, mas me sinto na obrigação de “virar essa chave” na hora de analisar um filme pipoca, como esse, sem soar ridículo ao tentar achar qualidades e defeitos que pouco importam frente ao papel que ele exerce.
Analisar com seriedade qualquer cena de Vingadores 2 me faria questionar as motivações de uma inteligência artificial que resolve fazer um corpo para si, usando como base a tecnologia de uma armadura hi-tech que um playboy utiliza para, eventualmente, impedir invasões alienígenas com auxílio de seus amigos. Entre eles, um Deus nórdico, um supersoldado vindo diretamente dos anos 40 e um cientista que se transforma em um monstro verde e raivoso de duas toneladas. Então me sobra a outra opção, que é a de tecer elogios a respeito de todos os momentos de orgasmo nerd provocados pelo filme, como a sequência inicial, onde o time completo de Vingadores enfrenta um exército da Hidra, com direito a Capitão América destruindo um tanque ao arremessar a própria moto e, não posso deixar de lembrar, aquela maravilhosa sequência de frames que mostra todos os heróis de uma perspectiva lateral, avançando contra o inimigo.
Mas a verdade é que analisar esse longa como obra cinematográfica é algo, por não encontrar palavra melhor, bobo. Não por ele ser mais (ou menos) do que um filme, mas por ser algo diferente. Vingadores 2 é um evento transmídia, que transcende a barreira da quarta parede, não para conversar com o telespectador mas para ser porta de entrada e janela de deleite para todos os outros materiais que a Marvel e a Disney nos apresentam, além dos mais de 50 anos de histórias desses personagens nos quadrinhos. A tal sequência de frames citada no parágrafo anterior não é linda de se ver por puro apelo estético, mas sim porque representa uma outra mídia sendo transposta para a tela grande de maneira a fazer um marmanjo de 32 anos quase urinar nas próprias calças. E sim, isso pode realmente acontecer se você não se precaver e for ao banheiro antes da sessão, já que o filme tem quase 2h30m de duração.
O diretor Joss Whedom continua sendo, adivinhem, Joss Whedom. Logo, quem se incomoda com algumas piadinhas colocadas em momentos inoportunos e uma montagem um pouco esquisita, com cortes que parecem fora de lugar, vai encontrar um bocado sobre o que reclamar do novo filme. Mas se você não souber relevar esses detalhes para babar pelo canto da boca enquanto assiste Hulk e Homem de Ferro se esmurrando pelas ruas de um país africano, provavelmente teve uma infância muito amarga.
Já falei da sinopse? Então vamos lá cumprir a tabela: após os eventos de Capitão América 2 – O Soldado Invernal, a SHIELD foi dissolvida e Tony Stark (Robert Downey Jr.) passou a financiar parte das operações. Mais precisamente aquela que envolve as operações do supergrupo Vingadores, que basicamente se concentra em resgatar peças de tecnologia Chitauri roubadas após a Batalha de Nova York. Com essa jornada chegando ao fim, Stark resolve utilizar tecnologia alienígena para ajudar a processar seu inovador sistema de vigilância inteligente chamado Ultron (voz de James Spader). A partir daí você deve ter percebido que “deu ruim”, e Capitão América (Chris Evans), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) terão que enfrentar o vilão que planeja acabar com a humanidade para salvar a Terra. Sem saber disso, com raiva do mundo e sem vontade de cantar uma bela canção estão os gêmeos Wanda (Elizabeth Olsen) e Pietro Maximoff (Aaron Taylor-Johnson), que se aliam a Ultron para defender seu país dos Estados Unidos.
E sim, o Visão (Paul Bettany) está lá, e toda sua construção faz muito sentido dentro da lógica da história, sem parecer mais um personagem enfiado no roteiro para vender action figures.
Aliás, talvez o grande mérito do longa seja se aprofundar um pouco mais na essência dos personagens e em qual a sua importância dentro daquele grupo. Algo que vai ser muito importante no próximo grande evento cinematográfico da Marvel: Guerra Civil. E olha aí a poesia no improvável. Em um filme sobre robôs e inteligências artificiais, nos aprofundamos na humanidade de nossos heróis. Mas quem se importa com isso quando temos Hulk esmagando robôs fracotes, certo?
Vendo esse elenco e todos os personagens envolvidos, acho que encontrei a maneira certa de analisar Vingadores: Era de Ultron. Existe um outro evento transmídia capaz de movimentar multidões, mexer com paixões e fazer adultos se comportarem como crianças choronas: um belo show de rock. Não importa se a banda não tocou aquela música que você adora ou o guitarrista errou uma nota. O que você vai lembrar ao sair do show é daquele momento mágico quando todos os presentes cantaram juntos o maior sucesso da banda. As músicas não soam ao vivo da mesma forma que no disco, mas no final das contas não importa… eles estão ali. Em carne e osso. Na sua frente.
Então me dêem licença. Minha banda preferida está na cidade e eu tenho os melhores ingressos.