Caso você acompanhe o Páprica há algum tempo, já deve conhecer meu apreço por este expoente do celeiro de atores canadenses. A brilhante carreira de Ryan Reynolds intercala comédias românticas “fofas” com filmes de ação ruins, onde o sujeito parece estar constantemente deslocado. Quase sempre faz uso de sua marca registrada: uma cara de bobo, com sobrancelhas caídas.
Essa cara.
Mas nos últimos meses Reynolds se tornou uma espécie de embaixador da zueira. O último bastião do nerd huehue, politicamente incorreto, falastrão, inconveniente, ultra-violento, sagaz e deformado. Desde o trailer exibido na San Diego Comic Con do ano passado Deadpool e seu intérprete foram abraçados pela internet, pelos fãs de quadrinhos e, principalmente, pelos fãs do personagem.
Se o longa que estreou nos cinemas agora em fevereiro (leia nossa crítica aqui) vem quebrando recordes e colecionando reviews positivos, tudo se deve a Reynolds. A insistência para readaptar o personagem que já havia interpretado em Wolverine: Origens, se mostrou mais do que uma busca obcecada por aceitação. A suspeita de que seu lugar de respeito no coração dos nerds estava logo ali, dobrando a esquina, fez com que ele se jogasse de cabeça em dois projetos que eram, por não achar palavra menos ofensiva, errados. O já citado papel no primeiro filme solo de Wolverine e a adaptação de Lanterna Verde tinham tudo para jogar uma pá de cal nas expectativas de Reynolds em ser aclamado durante uma Comic Con.
Mas esse cara… esse cara é um filho da puta persistente.
Junto com o diretor Tim Miller, Reynolds produziu um teste de Deadpool totalmente em computação gráfica. Ao contrário de Edgar Wright, que convenceu a Marvel de que seu Homem-Formiga era viável nos bastidores, Reynolds e Miller tiveram a “sorte” de ter a cena (feita para ser assistida apenas pelos executivos da Fox) “vazada na internet”. A rede quebrou. Os fãs piraram. O estrago estava feito. Menos de 48 horas depois do “vazamento”, os executivos haviam liberado quase 60 milhões de dólares para a produção do filme.
E 60 milhões de dólares é um monte de dinheiro. Dá pra comprar uma frota de 6.500 carros populares (a Globo adora calcular prêmios da Mega-Sena em carros populares). Ou 912 milhões de Bubbaloos. Ou ainda uns 19 iates como o do Luciano Huck. Mas pra produzir um blockbuster esse não é exatamente um orçamento gordo. Mas tudo bem. Temos um personagem querido pelos fãs mas desconhecido do grande público. Temos um orçamento magro e um astro que não é conhecido por suas capacidades dramáticas. Como podemos piorar as projeções de sucesso desse projeto? Aumentando a classificação indicativa para “menores de 17 anos apenas acompanhados pelos pais”, é claro. No momento em que a Fox percebeu os planos de Miller e Reynolds, deve ter considerado que havia apostado muito dinheiro em um cavalo perneta.
E, apesar de contra todas as probabilidades, o filme deu certo. Um filme com apelo jovem, repleto de piadas feitas para os adolescentes, mas que não poderia receber grupos de adolescentes no cinema. Talvez isso tenha feito a audiência aumentar (já que cada adolescente teve que arrastar um dos pais ao cinema). Ou talvez ainda isso fale mais sobre a infantilização da Geração Y do que estou disposto a discutir nesse texto. O fato é que Deadpool já era um fenômeno antes de sua estreia.
Mas sabe o que é genial nisso tudo? Talvez a insistência de Ryan Reynolds tenha mudado o futuro dos super-heróis no cinema.
Talvez, só talvez, os estúdios tenham percebido que nem toda história deve ser para a família toda, por mais que isso pareça lucrativo quando lançado na planilha do Excel. Talvez agora se perceba que nem todo personagem de quadrinhos deve ser interpretado por um galã que teima em tirar a máscara durante 2/3 do longa (i’m talking to you, Mr.Evans). Talvez alguém perceba que para produzir um belo filme do Wolverine, não sejam necessários 200 milhões de dólares, que o obrigam a ter uma classificação leve. Um filme solo do Wolverine deveria ser a cruza do inferno entre um Charles Bronson musculoso e a busca desesperada por vingança de um Oldboy, e não um sujeito de 1,80 enfiando facas digitais nos outros e fazendo cara de quem tem prisão de ventre. Hugh Jackman se esforça, mas é difícil contar a história de um cara com 6 espadas que saem de suas mãos sem traumatizar o menino de 10 anos que conhece o personagem dos desenhos da TV. A Fox parece ter percebido: o próximo filme de Wolverine, anunciado como último de Hugh Jackman na pele do personagem, vai ganhar classificação etária máxima.
Filmes mais baratos não significam filmes piores. Para tirar a prova basta comparar as duas produções de um personagem bastante obscuro dos quadrinhos ingleses: Juiz Dredd. A situação era quase a mesma. Personagem desconhecido do grande público, com um estilo cheio de violência e enredos pesadíssimos. Temos ainda o agravante de que não existem dezenas de pessoas fantasiadas de Dredd circulando pelas Comic Cons. Dredd é o personagem roots de verdade. Pouca gente conhece, menos gente ainda havia lido o material nos quadrinhos. Mesmo assim um filme com orçamento de 70 milhões de dólares (uma quantia relevante para os anos 90) foi produzido. Um grande astro, no caso Sylvester Stallone, teimou em mostrar a cara durante boa parte do filme. Uma heresia para os 15 fãs dos quadrinhos, mas o filme fracassou imensamente por ser, de verdade, muito ruim. Dezessete anos depois e com metade desse orçamento, tivemos Dredd, que respeitou o material original e entregou um filme seco, objetivo e violento, como o personagem pedia. Também fracassou nas bilheterias, mas virou cult. Foi feito do jeito certo.
Então, por mais bizarro e inusitado que isso possa parecer, se no próximo Wolverine vermos Logan apagando um charuto meio mascado no globo ocular de uma cabeça decapitada, você tem que agradecer Ryan Reynolds e sua maldita teimosia por isso.