A Chegada não é muitas coisas que, por definição, poderia parecer ser. Não é uma fição científica, por exemplo, embora compartilhe muitos elementos com esse gênero. Não é uma aventura heróica, por mais que vários passos da construção do mito do herói de Campbell apareçam na trama. Não é um drama, embora seja por vezes devastador e sensível. Na verdade, seria mais justo dizer que A Chegada não é apenas uma dessas coisas.
O novo filme do diretor canadense Dennis Villeneuve, que chegou aos cinemas brasileiros no final de novembro, explora as consequências da chegada de 12 naves alienígenas ao planeta Terra e as tentativas dos governos ao redor do mundo em conseguir entender o objetivo dos visitantes. Em meio a isso a linguista Louise Banks, interpretada por Amy Adams, é chamada pelo governo americano para tentar compreender o idioma alienígena e possibilitar assim a comunicação entre as duas espécies. Forest Whitaker e Jeremy Renner compõem o elenco que orbita ao redor de Louise, seus dramas pessoais, suas memórias e sua obsessão pela quebra do código extraterrestre.
Villeneuve cria, mais uma vez, um filme difícil de catalogar, assim como foram O Homem Duplicado, Os Suspeitos e Sicario. Não é incomum ao diretor buscar projetos que lhe permitam usar de uma determinada estética para desconstruir seus elementos e partir com a história para um lugar próprio e inusitado. Algo típico de alguém apaixonado pela linguagem. Nesse caso, a linguagem cinematográfica. Não é a toa que, durante boa parte do longa, os protagonistas estão encarando um retângulo branco, com as proporções exatas de uma tela de projeção de cinema e é menos ao acaso ainda que os dois alienígenas ganham os apelidos de Abbott e Costello. É diante de uma tela branca que a história se desenrola e, com as imagens projetadas nela que Villeneuve se comunica com seu público. Se a ficção mostra na tela uma linguagem com capacidade unificadora, do lado de cá da outra tela também observamos uma forma de comunicação que é capaz de falar com todos os seres humanos em algum nível.
Não é difícil, sob essa ótica, entender a motivação da protagonista através do olhar do próprio diretor. Enquanto Louise luta para entender o funcionamento de uma língua aparentemente amorfa, o espectador luta para compreender os signos lançados através de flashes da vida da protagonista e o diretor luta para que tudo isso venha a convergir em algo satisfatório narrativamente. Em determinado momento todos recebemos a iluminação de que não há, necessariamente, uma única maneira de contar uma história. Se a linguagem alienígena exige que o leitor enxergue o todo, ao invés de parte após parte, o longa exige que o espectador se entregue a narrativa enquanto ela ainda está cheia de espaços, tal qual a tela em branco que junto aos protagonistas observamos durante tanto tempo. O resultado é catártico e brilhante.
O que vemos em tela também é fruto do trabalho de Eric Heisserer, roteirista que adaptou para as telas o conto Story of Your Life de Ted Chiang. Durante todo o filme é possível perceber a máxima do “não conte, mostre”, tão usada por professores de redação no mundo todo. São raros os diálogos expositivos durante toda a projeção. Personagens não explicam como se sentem, ou o que sentem, ou porque sentem. Situações nos mostram frações desses sentimentos e constroem cada cena de forma muito orgânica. Esse tipo de cuidado no roteiro de um filme que trata de explicar uma área de estudo intrincada como a linguística, é algo louvável.
Como dito no primeiro parágrafo desse texto, A Chegada não é muitas coisas. Nele você não vai encontrar um novo Independence Day. Não há guerra. Não há ameaça presente, fora nossa própria incapacidade de nos comunicar enquanto espécie. Há, sim, a possibilidade de você encontrar um dos melhores filmes de 2016, produzido por um dos melhores diretores da atualidade. Mas não se engane, A Chegada não é uma ficção científica, assim como o português e o inglês não são a mesma língua por compartilharem a letra A em seu alfabeto.