“O filme contém alguns sustos genuínos, vários efeitos especiais convincentes e gore suficiente para enojar as crianças de todas as idades. O que falta é alma, imaginação e o mais vago vestígio de sentimento humano. Para o filme, por sorte, estes ingredientes não são realmente necessários para que seja um sucesso de bilheteria, especialmente durante a temporada de verão.”
Embora o conteúdo de algumas críticas a Prometheus seja parecido, o parágrafo acima se refere ao filme que ele precede: Alien o Oitavo Passageiro. O trecho citado é da crítica da revista Time que, assim como o New York Times e vários outros veículos, fez um review bastante negativo do filme de Ridley Scott, alegando ser uma mistura de Star Wars com Tubarão, trazendo toques de 2001: Uma Odisséia no Espaço. Engraçado portanto perceber que críticas tão parecidas são feitas ao novo trabalho de Scott, mas dessa vez comparando-o ao próprio Alien, 33 anos depois de sua estreia.
A questão em Alien, que alguns críticos só foram perceber anos depois, sempre foi o feminismo. Se a Tenente Ripley não era responsável pela missão, coube a ela o papel de sobrevivente, de enfrentar monstros e assumir sua posição em um mundo masculino, conquistando seu espaço à força. A sociedade estava neste ponto em 1979 com as mulheres chegando cada vez mais a cargos de poder na hierarquia das empresas após a onda feminista dos anos 60. Além disso, toda a simbologia do longa remete ao poder do falo masculino e a imposição através do gênero. Em Prometheus, que estreou na última sexta-feira nos cinemas brasileiros, a temática se repete. Quando a humanidade parte em busca de seus pais, representados pelos “engenheiros” – diga-se de passagem um arquétipo masculino escancarado – é novamente a mulher que conduz a história, através da cientista Elizabeth Shaw vivida por Noomi Rapace, curiosamente uma mulher que não pode gerar filhos.
Ridley Scott não tentou disfarçar em Prometheus referências inversas às de Alien, com vaginas aparecendo durante todo o filme. Já na primeira ameaça que a tripulação encontra, a criatura se parece com um falo masculino enquanto inofensiva, para se mostrar uma vulva quando prestes a atacar. E se o desenrolar do filme mostra as mulheres engolindo os homens, tanto em poder quanto em presença na tela, o clímax no módulo de sobrevivência é visualmente didático ao mostrar o feminino sobrepujando o masculino neste universo.
Mas se as atuações de Noomi Rapace e Charlize Teron são importantes para o filme, é um homem – ou melhor, um robô – quem rouba a cena. O autômato David, interpretado por Michael Fassbender é o personagem mais cheio de nuances e contradições, o que o faz rico e interessante para o espectador, respeitando toda a trajetória dos seres artificiais vistos na série Alien. Se David é a parte lógica de uma representação humana – aquela que se pergunta porque fazer uma pergunta se pode não gostar da resposta – os demais personagens são retratados como filhos abandonados pelos pais. Quando a mãe Terra, que os alimentou, criou e educou, não pode responder uma pergunta básica como “quem é meu pai?” a jornada de origem é inevitável, mas a recepção deste pai decepcionado com sua prole pode não ser exatamente amigável. É como se Scott nos dissesse: não importa sua origem, e sim o que vai fazer com seu futuro. Não adianta receber respostas antes de formular as perguntas certas, e as crianças que foram deixadas sozinhas cuidando de casa ainda não estão prontas para essa conversa.
Prometheus não é perfeito em seu ritmo, mas compensa com muita tensão e passagens reveladoras para quem é fã da franquia Alien (que acabou no terceiro filme, vale lembrar). Mas o melhor, realmente é ver o veterano Ridley Scott voltando à ficção científica depois de tanto tempo. Pelo menos nós, os fãs, não estamos mais órfãos. E que venha Blade Runner 2.