Mediocridade. Essa é a palavra que define True Detective. Poderia ser uma definição apenas da primeira temporada, mas o primeiro episódio desse novo capítulo da antologia mostra que Nic Pizzolatto não tinha um único recorte sobre a mediocridade americana para nos mostrar.
A história foge de grandes centros urbanos. Foge de pessoas brilhantes em suas áreas de atuação. Foge da repercussão midíatica dos casos investigados. Foge de qualquer escopo macro sobre seus personagens e foge até mesmo de atores fora da faixa de mediocridade, para não correr o risco de abrilhantar sua falta de brilho. True Detective é o oposto do brilhante, poderia ser definida como opaca. A caixa de seu box de DVD’s (caso isso ainda exista em 2015) deveria vir coberta de fuligem, saída das recorrentes chaminés que cospem poluição em uma vizinhança medíocre, tudo para afugentar o brilho, que poderia deturpar a beleza média de sua genialidade.
Talvez essa seja a frase que melhor resume o sentimento americano nos últimos tempos. O futuro cheio de torres brilhantes e carros voadores não aconteceu e foi trocado por medo de terrorismo, indústrias queimando combustível sem parar e casos constantes de violência, aparentemente, gratuita. O sonho americano não é mais otimista e não representa a sensação de onipotência de décadas passadas. O americano médio entende sua posição média no mundo e chafurda em seus dramas medíocres, como se eles fossem interessantes para alguém mais. Não por sorte True Detective faz sucesso entre público e crítica, já que mais do que brancos, negros, judeus, muçulmanos, esquerdistas e republicanos… o mundo está cheio de gente medíocre, como eu e você, preocupados com seus dramas medíocres, com comprar pão depois do trabalho e pagar a conta de luz em dia.
A catarse dessa mediocridade, na série, se dá através da violência. Do lado de cá da tela, vez ou outra, a falta de perspectiva de brilhar em algum aspecto da vida também costuma resultar em gente machucada, as vezes morta. Mas não é essa catarse banal que a série busca destacar, e sim um lapso de ruptura com a realidade, uma tentativa de brilhar, com as armas erradas e pelos motivos errados. As teorias de grandeza demoníacas da primeira temporada contrastam com a dor crua e não expressada de um dos protagonistas, afinal o grande drama humano de perder sua família não é nada diante dos arroubos de imortalidade de um maluco enfurnado em uma fazenda calorenta do sul dos Estados Unidos. A diferença entre a morte horrenda e medíocre e aquela voltada aos desejos loucos de um ser fadado ao esquecimento é o que define o foco de True Detective. A fuga da normalidade é tão urgente que joga holofotes sobre as tentativas mais macabras de conseguir esse objetivo.
Na segunda temporada somos apresentados a quatro protagonistas: Ray, interpretado por Colin Farrell, é um policial que foi levado à corrupção por um desejo de vingança compreensível. Ani, vivida por Rachel McAdams, é uma policial sem intenções de grandiosidade, investigando crimes de prostituição e deixando assuntos familiares se envolverem em seu trabalho. Paul, interpretado por Taylor Kitsch, é um policial rodoviário com um passado problemático e tendências suicidas. E, por fim, temos Frank, com a interpretação de um improvável Vince Vaughn vivendo um proto-mafioso que depende de um acordo, ainda nebuloso, para alcançar seus objetivos.\
Todos esse personagens têm em comum a ambição de mascarar suas personalidades para não serem percebidos como destoantes do ambiente onde atuam. Ray entra no jogo de corrupção, Ani se despe de qualquer vaidade em um ambiente essencialmente masculino, Paul não quer mostrar a fragilidade de sua mente interferindo em seu corpo e Frank se acha medíocre demais para que sua presença entre os poderosos da região não soe estranha. Paira sobre todos a obrigação de não se destacar, de ser medíocre em cada aspecto das suas vidas e caberá à trama tirá-los dessa zona de conforto e jogar luz sobre todos seus medos, defeitos e inseguranças. Foi assim a mecânica que quebrou, iluminou e fez crescer Rust e Marty como personagens na primeira temporada, e o mesmo veremos acontecendo com Ray, Rachel, Paul e Frank. A raiva, a motivação, o medo e a insegurança são ícones visíveis para esses quatro personagens que ainda serão muito explorados nos próximos sete episódios. Se será feito com o mesmo fino trato e competência, ainda veremos.
Faça bullying com alguém novamente e eu volto e estupro o seu pai, ao lado do corpo decapitado da sua mãe. Entendeu?
Não é a toa que as melhores frases desse primeiro episódio são de Colin Farrel. Ray é a personificação exagerada da sociedade moderna, prestes a explodir perante qualquer injustiça ou infração, mas ainda sendo muito mais parte do problema do que da solução. Seus sentimentos conflitantes em relação ao filho, que é fruto do estupro de sua esposa, o tornam uma granada sem pino. Ao mesmo tempo em que sabe da inocência da criança, transforma toda sua frustração e ódio reprimido em episódios de pura loucura, que o tornam, logo de início, o personagem mais interessante da temporada.
Se Colin Farrell conseguirá, assim como Matthew McConaughey, romper o casulo da mediocridade para finalmente brilhar… isso veremos daqui há 2 meses. Por enquanto, o que dá para ter certeza é que Nic Pizzolatto não teve sorte de principiante ao criar a série. Ele sabia muito bem qual ferida queria cutucar, e faz isso com muito estilo.